quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O QUE OS RICOS NÃO QUEREM OUVIR - Do Diácono António Poças

(Um artigo de Opinião publicado no Jornal João Semana em 15 de Setembro de 2011, de um Diácono, que pela coragem na sua liberdade de expressão vejo nele um Servo de Deus e Profeta do nosso tempo, que anuncia e denuncia.  A.Mendes Pinto)


Nos últimos tempos tem vindo à baila a questão "melindrosa" que consiste em saber se devem ou não ser tributados os ricos.
Uns são imediatamente a favor, até porque se trata de uma questão de elementar justiça, mas outros dizem que essa questão é muito "delicada", por razões diversas:
A primeira é que os ricos têm muita influência nos órgãos de poder económico, político e judicial, instâncias onde tudo se decide e organiza. Por isso estão à vontade, e fazem como querem. Na sua mão estão as fábricas, o dinheiro e os mecanismos de pro­dução e distribuição. Deles de­pende a regulação dos mercados e o estabelecimento dos preços, a alteração das regras da concor­rência, a ativação ou morigeração dos mercados, a flutuação do mercado bolsista e, até, a regulação artificial, se necessário, da inflação, para influir nas variáveis comerciais e monetárias indispensáveis ao lucro de que não estão dispostos a abdicar, sem curar de saber se isso afeta os magros rendimentos das classes mais pobres, consumidores diretos das suas fábricas e centros comerciais.
A segunda razão é que os ricos dominam a banca, as zonas francas, os "ofJshore" e os "pa­raísos fiscais ", onde rapidamente colocam os seus rendimentos, escapando, assim, ao pagamento de impostos e ao controle das suas fortunas.
A terceira é a chantagem sobre o Estado, ameaçando desinvestir ou desviar as sedes das suas empresas para o estrangeiro ...
Para os mais ricos, as crises são sempre benéficas. Basta ver que tem aumentado o número dos que enriquecem, à medida que a classe média fica cada vez mais pobre e a pobreza vai alastrando, atingindo as fronteiras da miséria.
Temos vindo a assistir, estu­pefactos, ao despudor de algumas afirmações - autênticas blasfémias - de homens cotados entre os mais ricos do mundo. Um diz, por exemplo, que estabelecer um imposto especial sobre a riqueza não iria resolver nada, pelo que, acha ele, mais vale deixar as coisas como estão. Outro (cotado entre os mais ricos do mundo) diz que é um simples operário, suben­tendendo-se daí que ganhará qualquer coisa como o salário mínimo.
Ofensas destas em relação a quem paga do seu magro salário os impostos para sanear as finanças do Estado e cobrir os desfalques de bancos pilhados e esbulhados por alguns ricos; insolências gravosas e desaver­gonhadas, proferidas, ainda por cima, sem gaguejar, em português de analfabetos, por homens que já se esqueceram das suas origens pobres e humildes e que enrique­ceram com a ajuda de operários pobres e humildes como eles foram; presunçosos e arrogantes se­nhores que se passeiam, com so­berba e indiferença, pelas mesmas ruas e locais onde muitos pobres, envergonhados e cabisbaixos, não sabem como será o dia de amanhã da sua família (pagar rendas, comprar medicamentos, adquirir livros para os filhos, ter pão na mesa...) - são pecado que brada aos céus.
Sem querer ofendê-los, gostaria de lhes fazer uma sugestão que poderão, sem grande esforço, aplicar numa das suas viagens profissionais - aquelas que fazem de um mercado para o outro em avião privado ou em carreira normal - para estimular os seus negócios: leiam com atenção o que vem no Evangelho (Lc. 12, 16-21). Não se ofendam com a sugestão, sobretudo os que passam pela Igreja com alguma frequência, porque esses não podem omitir essa passagem. Volto a lembrar que é apenas uma sugestão. Quem sou eu para ousar moralizar! Mas as palavras que lá estão não são minhas, embora, sem dúvida, se apliquem a todos.
Às vezes parece-me, como acon­teceu na parábola, que há coisas que, por mais que se digam, alguns não querem ouvir, ou julgam, hipocrita­mente, que isso não é para eles.