Este meu testemunho tem a ver com a dificuldade que tenho em acreditar nos políticos que em épocas eleitorais tanto falam no apoio às pequenas e médias empresas.
Sou um cidadão com 66 anos de idade, que trabalha desde os 11 anos de idade e que tudo tem feito para se libertar de sentimentos de revolta para com um Sistema Económico, que na sua Profissão de Desenhador e Modelador de Calçado, como empresário de uma pequena empresa industrial de calçado para Bebé, com nove pessoas assalariadas, na segunda metade da década de 70 do séc. passado, foi discriminado e excluído, impossibilitado de dar resposta à procura dos produtos que criava e que com os seus colaboradores, produzia. Resultado dessa discriminação foi o sofrimento provocado pelas leis laborais e os elevados juros na época de 34% para os pagamentos em atraso com a Segurança Social e Finanças, e mais tarde, em 1989 o encerramento da Empresa.
Para uma melhor compreensão da afirmação de discriminação e exclusão passo a explicar: Em 1971 trabalhava em Lisboa, e uns familiares de S. João Madeira convenceram-me a regressar ao norte, e para esse convencimento pesou muito a oferta de um desses familiares em ajudar à criação de uma indústria de calçado para bebé. Aceitei e com minha mulher e um filho recém-nascido viemos para Ovar.
A indústria progredia, mas como era indústria caseira não nos era permitido ter mais que três pessoas assalariadas e as instalações eram exíguas. Face ao aumento das vendas angariadas pelos “viajantes no continente e Ilhas”, na mostragem das Colecções que eu criava, resolvemos mudar de instalações fabris, de uma garagem na residência no Lugar da Ribeira de Ovar, para um rés-do-chão num edifício no Centro de Ovar, e para se empregar mais pessoal fizemos uma Sociedade Empresarial na qual entrou um desses familiares, como sócio capitalista. Para além das três pessoas existentes, empregamos mais seis. No total eram nove pessoas assalariadas. Nos primeiros tempos tudo funcionava bem. Os Bancos colaboravam nos descontos de Letras Comerciais aceites de clientes que não pagavam por cheque, e nos financiamentos para as fases de transição de época, em que não se factura mas que se tem de trabalhar para a época seguinte, nas encomendas angariadas pelos vendedores, «compra de materiais e pagamento ao pessoal». Até que chegou o famigerado PREC – Período Revolucionário em Curso, e o sócio capitalista amedrontou-se com a situação de radicalidade sindical e instabilidade nas empresas na época e resolveu deixar a Sociedade cessando a sua cota à minha mulher. A partir do momento em que os Bancos viram no Diário da República a Cessão de Cotas, deixaram de colaborar nos financiamentos e descontos de Letras e a partir daí começamos a sentir dificuldades financeiras para dar resposta ao interesse dos clientes nos produtos que fabricava-mos. E foi a partir dessa altura que começamos a sentir o que é ser "discriminado e excluído" e a sentir todas as consequências provocadas pelas restrições no crédito bancário.
Olhando para a actual crise, que já vem de há muito tempo, penso que os políticos e o sector financeiro, com as suas políticas discriminatórias e destruidoras do sector produtivo nacional, são os principais culpados da desgraça económica do nosso País.
António Mendes Pinto
(publicado no Jornal Praça Pública em 2010